Nasa descobre três planetas que podem suportar vida
Com a descoberta de sete planetas semelhantes à Terra orbitando a estrela TRAPPIST-1, divulgada em uma coletiva pela Nasa na quarta-feira (22), as atenções da comunidade científica se voltaram para o sistema solar a 39 anos-luz de distância do nosso. Dos sete planetas que orbitam a estrela anã vermelha do tipo M - um tipo de estrela muito menor e mais fria do que o nosso sol - três deles estão dentro da chamada zona habitável: a área ao redor de uma estrela onde a radiação emitida por ela permitiria a existência de água no estado líquido na superfície de um planeta. A Terra, por exemplo, está dentro dessa região em torno do Sol.
A descoberta é considerada inédita. Nunca tantos planetas semelhantes à Terra foram encontrados ao redor de uma mesma estrela, muito menos com três deles dentro da zona habitável.
Agora, os cientistas aguardam novas informações sobre eles, como a composição atmosférica, se realmente há a presença de água em algum deles, e finalmente, se algum deles abriga - ou poderia abrigar - vida como a conhecemos. O professor de Astrofísica da UFRJ, Helio Jaques Rocha-Pinto, esclareceu algumas das maiores dúvidas sobre a descoberta.
A descoberta desses planetas reacendeu a discussão sobre vida em outros planetas. A probabilidade de encontrarmos vida em outros planetas teria aumentado? Um dos cientistas que participaram da descoberta disse que a probabilidade de encontrarmos um outro planeta como a Terra não é mais uma questão de 'se', mas de 'quando'. Qual sua opinião sobre isso?
Sou bem otimista quanto a isso. Tenho colegas que consideram que a Terra é rara, mas acho que vida pode ser encontrada em qualquer lugar. Por outro lado, considero que vida complexa como no nosso planeta é rara. Depende de fatores difíceis de ocorrerem em conjunto. Cientistas que defendem a raridade da vida sempre vão apontar que a Terra foi relativamente preservada contra cometas, banhos de radiação de supernovas, e outros eventos cósmicos. Um dos fatores muito curiosos que temos é a Lua, que funciona como um contrapeso para manter o clima da Terra mais estável, além de Júpiter, que funciona como um filtro contra objetos espaciais.
No entanto, se existe um sistema planetário que receba radiação suficiente para permitir que água exista no estado líquido, do meu ponto de vista não há nada que impeça a vida lá. Os acontecimentos na evolução da Terra levou a extinções em massa, consequentemente aumentando a complexidade da vida. Acho que a vida precisa desses desafios para se tornar complexa. E a forma que esses desafios se apresentam pode ser diferente de um sistema para o outro.
O fato de a estrela ser fria faz com que a zona habitável em torno dela seja mais estreita e próxima. Mesmo assim temos três planetas nessa área no sistema, além dos outros quatro fora dela que também são parecidos em tamanho com a Terra. Essa proximidade entre os planetas não pode tornar essas órbitas instáveis, já que o campo gravitacional dos planetas poderiam influenciar uns nos outros?
Realmente a zona habitável em torno dessa estrela é muito próxima da mesma. Basta comparar com nosso próprio sistema solar. O mais distante dos sete planetas gira em torno de sua estrela em uma órbita mais próxima em relação à TRAPPIST-1 do que a de Mercúrio em relação ao Sol. No entanto, a massa da estrela é de apenas 8% em relação ao nosso Sol. Ela é muito pequena em termos estelares, apenas um pouco maior do que o planeta Júpiter, e muito mais fria também. Além disso, o sistema já tem estabilidade em suas órbitas, pois esse tipo de estrela é muito antigo. Estrelas assim existem desde o surgimento da Via Láctea, nossa galáxia.
É possível especular a idade do sistema dado o modo como ele é formado?
Essa estrela não está próxima de nenhum tipo de nebulosidade. Ou seja, ela tem pelo menos um bilhão de anos. Também não é uma estrela binária (quando duas estrelas orbitam uma em volta da outra). Esse tipo de estrela evolui tão lentamente que leva bilhões de anos para passar por mudanças, o que torna difícil definir com precisão sua idade.
No nosso sistema os planetas têm certa distância entre si, e também temos Júpiter, que age como um filtro de asteroides e cometas que, de outra forma, poderiam atingir a Terra. Levando em consideração a proximidade entre os planetas no sistema TRAPPIST-1 de sua estrela, há algum fator que poderia se revelar problemático para o surgimento da vida como conhecemos em algum deles?
Existem alguns complicadores. Uma estrela menor como essa sofre explosões magnéticas muito intensas. Ejeções de massa coronal (grandes erupções de gás de altas temperaturas provenientes da coroa solar), que ocorrem mais raramente no nosso Sol, é um tipo de evento comum. Esse tipo de tempestade magnética pode ser prejudicial. Somado a isso, como esses planetas são muito próximos da estrela, eles também são muito mais bombardeados por essas tempestades. Porém, existe a teoria de que poderia haver formas de vida adaptadas a esse ambiente.
No caso da ausência de um planeta como Júpiter, que filtre cometas e asteroides, existe o atenuante de que, numa estrela do tipo e da idade da TRAPPIST-1, existe menos material desse tipo na nuvem de Oort (uma grande concentração de cometas que se acredita existir no limite de sistemas solares, de onde eventualmente cometas são desviados para a parte interna do sistema), o que diminui a possibilidade de impactos.
Mesmo os planetas fora da zona habitável da estrela têm a possibilidade de possuir água no estado líquido, segundo o trabalho dos cientistas. Como isso é possível dado que as distâncias entre esses planetas e sua estrela são tão pequenas a ponto de a água evaporar, ou tão grandes a ponto de ela congelar? Quais são as condições que podem permitir a existência de água em estado líquido, levando em consideração as temperaturas muito baixas ou muito altas?
A zona habitável é calculada de forma muito simples, e leva em consideração condições idênticas à da Terra. Dependendo da espessura de determinada atmosfera, por exemplo, esse conceito de habitabilidade da zona habitável pode ser ampliado ou reduzido. Temos o caso da nossa Lua, por exemplo. Ela está dentro da zona habitável, mas nela temos água apenas em estado sólido no subterrâneo, devido à ausência de atmosfera.
Devido a proximidade entre esses planetas, realmente seria possível, para um observador na superfície de um desses astros, ver um dos outros planetas a olho nu no céu?
Sim. O que você conseguiria ver deve variar em torno de um décimo em relação à nossa lua. Bem menor, mas ainda maior do que conseguimos enxergar de Vênus, por exemplo. Ainda seríamos capazes de delinear a circunferência dos planetas no céu. Os planetas são tão próximos da estrela e uns dos outros que o ano de todos os sete dura em média pouco menos de oito dias (o planeta mais próximo da estrela tem um ano que dura um dia e meio, enquanto o mais distante cerca de 20 dias).
Qual o significado dessa descoberta para a comunidade científica? O que muda para os astrofísicos e astrônomos? Existe uma quebra de paradigma?
Vivemos em uma época de quebra de paradigmas sobre os sistemas planetários. Tínhamos um paradigma baseado no que sabíamos do nosso sistema, até descobrirmos outros que funcionavam de forma diferente. Em alguns sistemas, por exemplo, temos alguns planetas gigantes perto do Sol, o que deu origem à teoria da migração planetária. Aqui temos Júpiter, que não migrou para perto do Sol. O motivo para isso ainda não sabemos direito. Já o sistema TRAPPIST-1 é inédito, apesar de que havia a expectativa de encontrarmos um sistema assim eventualmente.
O telescópio espacial James Webb, com lançamento planejado para 2018, poderá ensinar mais sobre os exoplanetas. Ele poderá detectar vestígios de água, metano e oxigênio de potenciais atmosferas em lugares distantes. Alguns desses são ingredientes essenciais para a vida e habitabilidade, enquanto outros, como o metano, é um forte indício da existência de vida. O que isso pode representar em termos de investimentos, e de interesse público no tema? O senhor acredita que isso pode provocar uma revolução na astronomia e astrofísica?
Gostaria de que isso acontecesse, mas não visualizo este cenário. As agências espaciais estão em crise por todo mundo. No caso do Brasil, por exemplo, temos uma parceria com o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês), que fez a descoberta em TRAPPIST-1 por meio do Very Large Telescope (VLT). O ESO está construindo no Chile o telescópio European Extremely Large Telescope (E-ELT), um telescópio óptico com uma lente de 39 metros de diâmetro (atualmente, o maior telescópio na Terra tem um espelho de 10,3 metros). O E-ELT contava com aporte brasileiro para sua construção. Os pagamentos não foram feitos, e embora tenha tido toda uma discussão no Congresso, se o país não pagar o acordo vai ser cancelado.
Nos EUA, o presidente Donald Trump não gosta da Nasa, e já determinou que haverá cortes profundos na agência. O James Webb só vai ser lançado porque já está construído e tem lançamento planejado. Claro que os pesquisadores farão projetos de pesquisa sobre esse sistema, mas no momento não tenho muitas perspectivas de um aumento de investimentos na área
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